domingo, janeiro 17, 2010

Visitando Pablo Neruda

Eu já conhecia Santiago, Viña del Mar e um pouquinho, muito pouco, de Valparaíso. Mas ainda não tinha ido às casas de Pablo Neruda por lá.
Antes de sair de São Paulo, uma pesquisa rápida nos deu as coordenadas para visitar as três casas. E saímos daqui decididas a ver todas.
Começamos pela mais fácil, La Chascona:
Fica em Santiago mesmo, no bairro boêmio Bellavista - a Vila Madalena deles - bem ao lado do Cerro San Cristóbal.
A entrada fica meio escondida numa ruazinha que parece sem saída. Mas logo se vê o símbolo da casa: um rosto com uma cabeleira revolta.
"La chascona" é uma palavra do vocabulário quechua que significa algo como "a despenteada". Era assim que Pablo via sua última esposa, Matilde Urrutia. Foi para ela que o poeta construiu a casa. Ali se encontravam desde antes de oficializarem a união e ali viveram até a morte dele.
Foi num dos aposentos de La Chascona que velaram o corpo de Neruda. Ele morreu poucos dias depois do golpe que levou Pinochet ao poder e seu funeral pode ser considerado como a primeira manifestação anti-ditadura, já que milhares de pessoas acompanharam seu caixão cantando o hino da Internacional Socialista.
A casa, só pode ser visitada na companhia de um guia. A entrada é feita pela loja de lembranças, onde se compra o ingresso. Depois, sobe-se ao café, de onde saem os grupos para a visita à casa propriamente dita.
Nossa visita foi agendada para mais de uma hora depois de nossa chegada. Tentamos aproveitar o tempo subindo ao Cerro San Cristóbal, mas o funicular não estava funcionando, era hora de sol quente e não quisemos subir a pé. Para o micro-ônibus e para os táxis coletivos que subiam ao cerro, havia filas imensas. Desistimos e voltamos ao café de La Chascona para esperar nossa hora.
A entrada à casa é feita por um pequeno pátio. Ali já se vê o primeiro mimo: duas janelas protegidas por grades especiais. Numa delas estão as inciais dos moradores cercadas de representações das ondas do mar e das montanhas da cordilheira. A outra, representa la chascona.
Dali vamos entrando na intimidade da casa: sala de jantar, quarto de dormir, escritório, biblioteca, bar, móveis diferentes, janelas estrategicamente colocadas para permitir os melhores ângulos de visão...
Disse a guia que ao lado da sala de jantar passava um pequeno rio, o que aumentava a sensação de estar dentro de um barco, já instalada pela aparência do aposento com seu teto abaulado.
A casa toda parece uma ode ao amor. Em cada detalhe se nota alguma intenção de agradar a mulher que vive ali com o poeta.
Para mim La Chascona é a casa mais aconchegante e romântica.
E infelizmente foi a escolhida por Pinochet e seus comparsas para o ataque a Neruda. Naquele então, a casa foi quase que totalmente destruída. Livros e mais livros foram queimados...
Fotos são proibidas no interior das casas, mas aqui se podem ver algumas fotos oficiais de La Chascona...
Nossa outra visita a Pablo e Matilde foi em Valparaíso.
Adquirido o ingresso, nossa entrada foi imediata. Ali não há que esperar a formação de um grupo guiado. A visita é dirigida por um audio-fone, o que me pareceu muito bom, já que é fácil de operar e a gente pode repetir as informações quantas vezes quiser.
La Sebastiana tem belíssimas vistas para o a baía de Valparaíso. O janelão do quarto de dormir é um escândalo. E o do escritório, com vista para a cidade e para a baía... ai, ai!
Mas de tirar o fôlego mesmo é a poltrona chamada por Pablo de "La nube", estrategicamente colocada na janela arredondada da sala de estar. Não deixem de ver, é a foto nº 3 da série de cliques oficiais de La Sebastiana.
Terminamos o ciclo nerudiano com uma visita à casa de Isla Negra.
Mais uma casa junto ao mar. Dessa vez, o mar não é uma visão ao longe, como a da baía de Valparaíso. Em Isla Negra o mar está ali, batendo suas ondas nas pedras a pouquíssimos metros das janelas de Neruda.
A casa de Isla Negra é bem grande. Há espaço para as várias coleções do poeta: de caracóis marinhos, de barcos "engarrafados", de carrancas, de garrafas, de estátuas e muitas outras mais. Um cavalo de madeira em tamanho natural reina absoluto em uma das salas. Imagens femininas enormes aparecem em cada cômodo, contemplando o Pacífico.
A sensação que se tem é a de que todas as janelas da casa dão para o mar, com destaque mais que especial para o quarto de dormir, de cuja cama, posicionada obliquamente, se pode fitar o oceano pelas duas paredes envidraçadas que formam um L transparente aberto para o infinito azul. Não fotografamos o quarto, não era permitido. Pena!
Em Isla Negra, de frente para um lindo e revolto mar azul, repousam os restos mortais de Pablo e Matilde.
Algumas imagens da casa podem ser vistas no site oficial, mas o quarto com suas enormes lentes para o azul não está lá e nem em nenhum lugar da net por onde andei procurando. Quem quiser ver com os olhos de Neruda vai ter que ir a Isla Negra.
Embora seja fácil chegar lá, parece que o povo gosta de fazer parecer difícil.
Trata-se de um pequeno balneário a uns 100 km de Santiago. E, embora tenha o nome de isla, não fica numa ilha. Pode-se ir tranquilamente de ônibus de linha, descer no pequeno povoado e caminhar uns 5 minutos até a entrada da casa.
Nós não acreditamos que isso era assim tão fácil e preferimos contratar um tour que nos cobrou caríssimo - algo como 70 dólares por pessoa - e apenas acrescentou uma passada por Pomaire, cidadezinha que além de artesanato em barro tem a tradição de servir as maiores empanadas do país.
Se estiver pensando em ir a Isla Negra, vá de ônibus. É bom e barato.
Veja a "receitinha" dada pelo UOL Viagens: pegue um ônibus interurbano Santiago-Algarrobo e peça ao motorista para saltar em isla Negra. Os ônibus saem do Terminal Alameda, em Santiago, com frequência de 20 minutos, a partir das 7h. Paga-se algo como 7 dólares. Fácil, né?
As visitas são guiadas e começam nesse ponto:
Neruda amava o mar e tudo o que se relaciona com ele. Todas as suas casas têm as formas de um barco, com tetos arredondados, portas pequenas. E a decoração inclui móveis comprados de embarcações, objetos oriundos de demolições e até um barco na parte externa de Isla Negra. Dizem que esse barco nunca ia ao mar, Neruda se contentava em entrar nele e contemplar a bela praia de Isla Negra.
Um dos guias nos disse que Neruda foi um coisista, isto é um aficcionado por coisas, coisas, coisas... Pois, andando por suas casas se tem mesmo essa impressão tal é o número de detalhes e coisinhas que há em cada canto: quadros, estátuas, pias, cavalos, garrafas, conchas, fotografias, carrancas, moais...
Em todas as casas há também um bar. Com balcão, copos coloridos, garrafas e muitos apetrechos. Dizem que ele gostava bastante de receber os amigos nesses bares, onde só ele podia ficar detrás do balcão. Nessas ocasiões, geralmente se fantasiava e parece que a farra ia longe.
Neruda sabia viver: amores, mar, amigos, muita alegria...
Precisa mais?

Na rota de Pablo Neruda
Aí estão fotos que registram o que pudemos captar de tudo isso.

7 comentários:

  1. Maravilha! Mas é verdade que tentam dificultar a viagem a Isla Negra: fui vítima disto e não vi a terceira casa do Neruda.

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  2. Continuo fã do seu texto, como vc escreve gostoso!! bejão
    joão

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  3. Carmem

    Além de ser um texto bastante útil para os viajantes que amam o mar , a poesia , Neruda e similares ,nos faz sonhar um pouco com tudo isso aqui e agora.

    Vc nos enreda e nos faz viajar através das belas palavras e imagens...

    Vou guardar um pouco de tudo isso no meu mapa de desejos.

    Com certeza vou colocar este roteiro na lista das minhas próximas paragens...

    Parabéns e obrigado!

    Bjo

    Gil

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  4. Olá, achei uma delícia este blog. Posso visitar sempre? :) Beijos

    (Fred)

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  5. Obrigadinha pelas visitas, amigos.
    Fred, venha sempre que quiser. Será um prazer...

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  6. Que bacana. Experiência incrível hein?!

    Beijos

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  7. Olá, Carmem.
    Acabei de conhecer seu blog e cheguei aqui pesquisando sobre Neruda e La Chascona.
    Estive em Santiago há alguns anos, mas só tenho uma foto dessa casa.
    Adoro viajar e você vai poder constatar isso visitando meu blog, que é de culinária, mas passa por todo universo da gastronomia, inclusive em viagens, naturalmente.
    Gostaria de pedir sua autorização para usar 2 de suas fotos de La Chascona, a que tem a grade na fachada e a que tem as iniciais P e M na janela. Sempre que utilizo fotos de terceiros, costumo conceder os créditos.
    Não localizei seu e-mail, por isso estou escrevendo aqui.
    Parabéns por compartilhar suas experiências de viagem.
    Estou preparando um post sobre uma música que meu filho fez baseada num soneto de Neruda.
    Aguardo retorno.
    contato@nacozinhabrasil.com

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