terça-feira, dezembro 11, 2007

Pelas terras dos inconfidentes

Fazendo um esforço de memória, consigo me lembrar de quatro viagens anteriores às cidades históricas de Minas... ou seriam cinco?
Não importa! O que importa, mesmo, é que acabo de voltar de outra viagem àquelas terras e ainda trago nos sapatos o pó daquelas ladeiras, minas, igrejas, museus...
Foram seis dias entre Tiradentes, Congonhas, Ouro Preto e Mariana. Sem contar com passagens por Belo Horizonte, São João del Rei e Sabará.
A capital mineira entrou na história por um motivo simples: Chico César e o Quinteto da Paraíba se apresentavam ali no dia 25/11.
Assim, chegamos e partimos pelo aeroporto dos Confins, que fica mesmo nos confins... Nunca vi nome tão apropriado!
A bordo de Danton, um Celta da locadora Budget, circulamos pela confusa BH e viajamos pelas cidades históricas. Éramos três: Ana Maria, Ana Letícia e eu.
Chovia bastante quando passamos por Congonhas, a caminho de Tiradentes. Mas paramos mesmo assim. A chuva deu algumas tréguas. O suficiente para andarmos um pouco entre os doze profetas do Aleijadinho, que não se cansam de olhar para a cidade desde seus postos no átrio do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos.
Almoçamos na Cova do Daniel e seguimos viagem.
Ruelas iluminadas com lampiões nos esperavam na pacata e bela Tiradentes.
Na praça principal, uma novidade: sinal de internet wi-fi passeando pelos ares, à disposição de quem o quisesse usar. Modernidades do século XXI! Tiradentes está querendo entrar para o Primeiro Mundo!!!!!!!!!!
Terminamos o dia com um sarau no quarto da Pousada do Ó: música da Paraíba e prosecco...
A viagem não tinha somente objetivo turístico. Havia trabalho envolvido.
E começou no dia seguinte: alunos da UNESP de Assis chegavam para participar de um congresso em Ouro Preto e de alguns passeios culturais guiados por Ana Maria.
Munida de seu exemplar do Romanceiro da Inconfidência (Cecília Meireles), Ana encontrou os alunos em frente à Matriz de Santo Antonio. Diante da estátua do Alferes Tiradentes, logo em frente ao Museu Padre Toledo, ouvimos a primeira leitura de poema: Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência, que tem como tema o clima conspiratório das primeiras reuniões dos conjurados. Algumas dessas reuniões teriam ocorrido na casa do Padre Toledo, que hoje abriga o Museu.
Depois da visita ao Museu, à Matriz de Santo Antônio e à Igreja do Rosário dos Pretos, caminhamos até o antigo chafariz do século XVIII, onde ouvimos mais um trecho do Romanceiro: Fala à Comarca do Rio das Mortes, que conta o fracasso da conjuração e faz referência aos personagens e lugares daquela região, antes Comarca do Rio das Mortes, hoje Tiradentes e São João Del Rei.
Por São João del Rei, passamos rapidamente, apenas para uma visitinha à Igreja de São Francisco de Assis e ao Cemitério da Ordem Terceira de São Francisco. De lá voltamos a Congonhas, mas foi apenas um pit stop. Nosso destino naquele dia era Ouro Preto.
De volta à estrada, fomos apanhadas por uma chuva torrencial, que nos obrigou a parar por algum tempo. Mas, como atrás da tempestade vem a bonança, ganhamos de presente um lindo arco-íris, que nos acompanhou durante grande parte do trajeto Congonhas/Ouro Preto.
Na antiga Vila Rica, nos hospedamos no Pouso do Chico Rey, uma pousada instalada numa casa do século XVIII. Ela funciona há décadas. Era de propriedade de duas mulheres: Lilli Correia de Araújo, dinamarquesa (tinha sido casada com um pintor brasileiro) morta há cerca de um ano, aos 99 anos, e a pintora brasileira Ninita Moutinho. Foram muito amigas de Elizabeth Bishop, que esteve muitas vezes com elas e, depois da morte de Lota Macedo, acabou também comprando uma casa em Ouro Preto. Outro pintor que viveu naquela cidade – Guignard – hospedava-se ali também, e pintou as portas de um armário, incluindo os nomes das donas. “É um local pitoresco, com muita personalidade. O que falta do conforto de hotéis mais modernos sobra em charme”. Essas últimas palavras são de Ana, que fotografou cada ângulo do pouso e preparou uma apresentação com as fotos. Está logo aí abaixo, no post anterior...
Bem pertinho dali, fica o novo Museu do Oratório. Lindo!
Com os alunos, caminhamos pelas ladeiras da cidade de ponta a ponta. Visitamos as principais igrejas e pontos de interesse histórico.
Diante da Igreja da Conceição, no bairro de Antônio Dias, tendo como pano de fundo a casa onde viveu Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, a Marília, ouvimos o “Retrato de Marília em Antônio Dias”, em que Cecília Meireles descreve essa personagem já idosa, subindo a ladeira para assistir à missa na igreja onde mais tarde seria sepultada.
Retrato de Marília em Antônio Dias
(Essa, que sobe vagarosa
a ladeira da sua igreja,
embora já não mais o seja,
foi clara, nacarada rosa.

E seu cabelo destrançado,
ao clarão da amorosa aurora,
não era prata de agora,
mas negro veludo ondulado.

A que se inclina pensativa
e sobre a missa os olhos cerra,
já não pertence mais à terra:
e só na morte que está viva.

Contemplam todas as mulheres
A mansidão das suas ruínas,
Sustentada em vozes latinas
De réquiens e misereres.

Corpo quase sem pensamento,
amortalhado em seda escura,
com lábios de cinza murmura
“memento, memento, memento...”

ajoelhada no pavimento
que vai ser sua sepultura.)

No subsolo dessa igreja há o Museu do Aleijadinho, que acabava de ser reinaugurado com toda pompa e presença de autoridades, incluindo o Ministro da Cultura, Gilberto Gil. Nos disseram que ficou lindo! Mas parece que a festa havia sido pró-forma, porque o Museu permaneceu fechado à visitação nos dias seguintes e não reabriu até o último dia de nossa estada por lá. Pena!
Teremos que voltar...
Na casa onde viveu Tomás Antônio Gonzaga, ouvimos o terceiro “Cenário”, em que Cecília discorre sobre a casa abandonada do poeta inconfidente.
E na Casa dos Contos, diante da cela em que teria sido encontrado morto Cláudio Manuel da Costa, ouvimos “Romance XLIV ou de Cláudio Manuel da Costa”, que trata justamente das circunstâncias nebulosas em que ocorreu a morte desse poeta.
Quinta-feira. Demos uma escapada até a Mina da Passagem, entre Ouro Preto e Mariana, com direito a viagem de carrinho mineiro até o fundo da mina. Voltamos rapidinho, pois Ana ainda acompanharia os alunos ao Museu da Inconfidência. Última visita, com leitura dos dois poemas: “Romance LXIII ou do Silêncio do Alferes”, diante da madeira que fez parte da forca em que morreu Tiradentes, e “Fala aos inconfidentes mortos”.
Cumprindo meus deveres de motorista, fui guardar Danton em segurança e me atrasei para essa visita ao Museu. Acabei perdendo uma passagem marcante: o último poema foi lido diante do panteão dos inconfidentes e, ao final da leitura, soou um sino, numa coincidência significativa, que emocionou a todos.
E assim terminou a apresentação, ao vivo, do cenário de uma das obras mais significativas da literatura brasileira.
No dia seguinte, Leca, Ana e eu fomos de ônibus para Mariana. Tínhamos um plano: voltar no Trem dos Inconfidentes, recém reinaugurado, que faz o trajeto entre as duas cidades. Valeu! A viagem é bem bonita.
Quem quiser saber um pouquinho mais sobre esse trem, pode clicar no link abaixo:
E ainda tivemos a sorte de chegar a Mariana a tempo de assistir ao concerto no órgão Arp Schnitger, na Catedral Basílica da Sé daquela cidade, com direito a informações sobre o funcionamento daquele instrumento raro, único exemplar existente no Brasil.
Encontrei na net um filminho que mostra parte de um concerto feito ali, pela mesma Josinéia Godinho, que tocou para nós naquela sexta-feira. Quem tiver ouvidos para ouvir que ouça, quem tiver olhos pra ver, que veja:
O primeiro dia de dezembro, sábado, foi nosso último dia em terras mineiras. Visitamos a Mina do Chico Rei e pegamos a estrada rumo à capital. Chegaríamos cedo. Decidimos então ir até Sabará. De lá, saímos já um pouco atrasadas rumo ao aeroporto. Chegamos em cima da hora para os trâmites aeroportuários, mas o vôo estava atrasado... Ufa! Relaxamos!
E relaxamos tanto que mais tarde chegamos a ouvir nossos três nominhos no serviço de som do aeroporto, chamando para o embarque...
Mais fotos?
Veja aí:
Ah! Já ia me esquecendo das comidinhas. Docinhos do seu Chico doceiro em Tiradentes, sorvetes diariamente em Ouro Preto, torresminhos de todas as formas, cores e tamanhos... Hum!!!!!!

2 comentários:

  1. Sabia que tinha algo importante para fazer hoje, tomei meu banho me preparei e não conseguia descobrir o que fazer, até que chegou seu e-mail... Ler seu texto sempre é um prazer, ver as fotos desta viajem e rever as outras que estão na galeria foi delicioso (seu selinho com Chico fui aos píncaros da gloria) e ainda escutar este orgão magnífico enquanto te escrevo é sublime, só faltou ver o trem dos inconfidentes, que não consegui entrar!! Ou seja, o que eu tinha de importante hoje era te prestigiar e que deleite esta sendo para mim!!! umbejãodojão

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  2. Então, primeiro parabéns pelo segundo ano. É um blog que já tem história, né?!!
    Depois, não preciso nem dizer que já aceitei o convite da Ana: temos que ir pra lá.
    Imagina só uma cecilianista lendo o Romanceiro pra um bando de meninos e eu de fora. Tô mordida de inveja!
    E agora, o relato completo, com o conjunto das delícias. E suas imagens...
    Tão intimadas a repetir o feito. E ai,ai,ai se eu não estiver junto...
    beijo estalado.

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